O mundo através do olhar de um cego.

 

Você pode perguntar: um cego olha? Sim, olha, mas não enxerga. Ele sente com o coração e pensa com a fertilidade mental sobre como andam os seres humanos.

Essa tem sido a experiência que eu tenho vivido nos últimos dois anos, desde que perdi minha visão. Passei por cirurgias, mas nada resolveu: fiquei cego de maneira irreversível.

Quando se nasce sem enxergar, a pessoa se adapta. Mas perder a visão após 60 anos enxergando é complicado. Perde-se a autonomia, deixa-se de ver as coisas belas que existem no mundo. Pois nem tudo no mundo é mau e feio—há coisas muito boas e bonitas que Deus criou. No entanto, também é importante enxergar o que não nos agrada, principalmente quando se é um cego com o coração quebrantado, voltado para as causas sociais.

Como dói saber que crianças dormem sem ter o que comer, que há moradores de rua, pessoas em cracolândias, pessoas se prostituindo. Todas elas precisam ser abraçadas, amadas, acolhidas. Mas, infelizmente, os que enxergam—aqueles que não perderam a visão—muitas vezes passam alheios a todas essas situações.

Aproximadamente um mês atrás, fiz uma experiência. Saí de minha casa e fui até o local onde corto o cabelo. Um percurso que, antes, eu faria em 10 minutos, no máximo, andando. Dessa vez, levei mais de 30 minutos. Por quê? Porque não há acessibilidade. As ruas são esburacadas. E o pior de tudo: quase ninguém olha para mim com um olhar de misericórdia. Não de pena, mas de misericórdia. Poucos ajudam a ultrapassar os obstáculos. Como é difícil!

Deus é testemunha da tristeza e das lágrimas que derramo em noites de insônia como esta, em que escrevo este desabafo que irá para o blog. Porque sou humano e sei que a sociedade em que vivemos é egoísta. É cada um por si. Na hora, como diz o ditado, da onça beber água, que se vire! E não somente o cego, mas também os mudos, os paraplégicos.

Qual é a acessibilidade que existe em nossas cidades para um cadeirante? Qual é a facilidade que existe para que um deficiente, seja qual for a deficiência, adentre um banco? Às vezes, há fila preferencial em casas lotéricas. Mas quantas pessoas xingam quando um deficiente ou alguém especial chega e ocupa essa fila prioritária?

Esse é o mundo em que vivemos. Lamentável.

Poderíamos ter um mundo bem diferente. Poderíamos fazer dele aquilo que Martin Luther King—pastor batista, homem negro que lutou contra a segregação racial nos Estados Unidos—expressou em seu famoso discurso: I have a dream (Eu tenho um sonho).

Poderíamos sonhar com uma sociedade mais justa, onde deficientes e não deficientes coexistissem na economia, onde os carros parassem para que um deficiente—seja visual, cadeirante ou idoso—atravessasse a rua com segurança. Mas não. Infelizmente, nossas autoridades nacionais, nossos representantes no Congresso Nacional, no Senado e na Câmara Federal, nossos governantes estaduais, deputados estaduais, prefeitos e vereadores não estão nem aí para essa parte da sociedade, seja qual for a deficiência.

Hoje, tento me acostumar. Difícil, viu, gente? Como eu choro! E como Deus entende e conhece meu sofrimento... Ó Deus, eu não aguento! É muito difícil. Mas, pela graça e misericórdia de Deus, Ele nos conforta, nos consola, nos dá forças. Porque, humanamente falando, nós não as temos. E essa força vem do alto, para que possamos lutar por nossos direitos.

Não adianta termos uma associação de deficientes em nossa cidade se ela não resolve nada. Se ela é mais política do que realmente voltada para aqueles que necessitam.

Essas são palavras simples de um homem que está prestes a completar 63 anos. Um homem que está cego há dois anos e que, um dia, andou esta cidade a pé, o tempo todo, trabalhando, fazendo coberturas. Mas hoje vive mais recluso em casa.

Através deste blog, tento ajudar para que o mundo seja mais justo. Espero que isso faça diferença na sua vida, que chame sua atenção para que possamos viver uma vida autêntica—seja qual for sua religião—mas amando a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.

Um abraço a todos,
Do cego, porém vivo,
André Luiz.


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